Minha querida Laura,
Outro dia eu caminhava pela calçada de uma grande avenida e de repente tive medo de alguém me empurrar para o meio dos carros e eu ser atropelada por um ônibus. Juro! Muito dramático, não? Altamente improvável também. No entanto, é o exemplo perfeito para contextualizá-la sobre esse medo que passou a me dominar.
É que agora minha cabeça funciona assim: qualquer minúscula possibilidade, ainda que fruto da minha incontrolável imaginação, de que algo possa acontecer comigo – e mais precisamente com você – me provoca uma instantânea taquicardia. Porque nada pode acontecer com você, nunca.
Eu sei, claro, que não tenho esse superpoder, de te proteger não importa o que aconteça. Acho que as mães gostam de se iludir que, sim, podem blindar seus filhos do males do mundo. Mas no fundo a gente sabe que não pode ser feito, não de tudo, não o tempo todo. Então, quando esse tipo de pânico toma conta, eu, muito madura, tento logo recorrer à razão. “Para de pensar besteira”, é o que normalmente repito para mim mesma.
É um conflito particularmente difícil. Primeiro porque ninguém nunca quer admitir que a mãe, no final, estava certa (você verá) – e o que eu sempre ouvi da minha mãe (e de praticamente toda mãe que conheci), frente qualquer insinuação de que ela estava exagerando na superproteção, foi: quando você for mãe você vai ver. Pois eu já te adianto, meu amor, ela estava certa. Por mais que eu tente me controlar e lembrar de como era a vida antes de você – alguém me empurrar para a frente de um ônibus, oi?! – o medo chega sem aviso e de repente lá estou eu andando bem pertinho do muro, longe da rua porque… vai que, né.
Com você não existe correr riscos. Existe toda e qualquer coisa que eu possa fazer para te ver bem. E isso me leva ao segundo motivo do porquê esse medo incontrolável é tão difícil para mim. Embora, biologicamente, o medo seja aliado da segurança, nos ajudando a prever armadilhas e fugir do perigo, ele é também – hoje em dia especialmente – uma grande justificativa para acovardar-se.
O medo desmedido nos impede de evoluir, sussurra traiçoeiro para que fiquemos no mesmo lugar ou, pior, para que voltemos a um passado que tínhamos como seguro. E ele justifica tudo. É isso que o torna tão assustador e tão perigoso. Não é preciso sequer dominar a arte da retórica para ganhar uma discussão usando o medo como argumento. E é isso que as pessoas fazem com a gente. Os líderes com a população, a sociedade com as mulheres, os mais fortes com os mais fracos, as mães com os filhos.
Assim como líderes criam narrativas de medo estruturadas para manipular seus governados, os pais e as mães também inventam ou se apropriam de histórias para que seus filhos os obedeçam e assim fiquem por perto, “seguros”. “Se você correr para longe nunca mais vai ver a mamãe” ou “se você sair daqui o bicho-papão vai te pegar”. Sem contar os milhares de “cuidado! cuidado! cuidado!”, como se o mundo fosse algo hostil e perigoso.
Pois o mundo não é nada disso, meu amor. Ele é lindo e se você tiver a sorte de ter amigos como os meus, terá isso muito claro. Quando a gente se cerca de pessoas que nos inspiram, a gente vê, sim, os males do mundo, seus perigos, injustiças e preconceitos. A diferença é que a gente não se recolhe e aumenta o tamanho do muro, ao contrário. Justamente por conhecer tanta gente incrível, e com essas pessoas viver tanta coisa especial, nós sabemos que a parte ruim é só uma parte e não o todo.
Em resumo? Eu não quero que você tenha medo do bicho-papão e quero que você corra para longe, sim, porque os limites da sua curiosidade e dos seus sonhos não devem encontrar barreiras a não ser as suas próprias. Assim, me desculpe desde já pelos medos desmedidos – os medos sensatos eu sinto muito, esses você terá que entender, não porque sou sua mãe mas porque, acredite, eles já me derrubaram (ou quase) em muitos momentos. Vai ser difícil separar um do outro? Sim. Vou confundi-los muitas vezes? Certamente. O que eu posso te garantir é que, embora não exista um cenário em que eu não tente desesperadamente te proteger dos males do mundo, eu prometo, pelo menos, tentar te blindar de um perigo específico: os meus próprios medos.