O que não muda

Foi no Uruguai, em outubro de 2012, que a quilometragem se apresentou. Depois de 514 Km pedalados pela costa do país, vento contra e 15 quilos no bagageiro, minha primeira cicloviagem se resumiu, em muitos momentos, a tardes de frustração. “Faltam só 19 km…” pensava, alguns dias debaixo de chuva, na maior parte do tempo sob sol escaldante. Eu podia fazer essa distância em quarenta minutos ou em três horas, direto ou com pequenas paradas, curtindo a paisagem ou focada na estrada. Podia guiar o trajeto ou deixar a Andressa (amiga e parceira de aventuras) ir na frente. O como chegar lá importava demais, sem dúvida alguma, mas a parada final, uma vez escolhida, não se alterava. Faltavam 19 km e esse número não mudaria. 19 km que não ligam para cansaço, contratempos, urgências. Não se importam com velocidade, ignoram clima, vontades, sorte. E definitivamente atropelam o psicológico.

Durante alguns dias eu realmente acreditei que, pedalando mais rápido, o percusso  – que variava de 40 a 90 km por dia – diminuiria. Eu sei (e sabia) que isso é fisicamente impossível, mas a sensação de chegar antes, encurtando, se não a estrada, o período de fadiga, sede, dor e incômodo, dava a falsa impressão de que um ou outro quilômetro simplesmente desaparecia. O quanto antes eu chegasse, menos tempo passaria sofrendo os infortúnios do caminho e mais horas teria para curtir o destino almejado. Só que, com o tempo – e uma pastilha do freio a disco solta, freando constatemente minha roda da frente -, pensar assim só deixava tudo mais sofrível. Porque, com o final em mente, o meio virava obstáculo. E o que era para ser uma grande aventura estava se resumindo a uma enorme má ideia.

Superados clichês como “de tão focada em chegar, eu estava perdendo as maravilhas do caminho” ou “uma cicloviagem é, no fundo, uma jornada de autoconhecimento” e todo esse blá-blá-blá com o qual eu concordo, diga-se de passagem, me deparei com um outro grande ensinamento da quilometragem: a consciência de que algumas coisas não mudam – e que é preciso enfrentá-las mesmo assim. Então, agora, sempre que o atalho é três vezes mais longo, as “maravilhas” do caminho se resumem a vacas e pasto e meu autoconhecimento está tão ativo quanto o iPod que eu esqueci no Brasil, eu me lembro de não perder tempo tentando encurtar os quilômetros, xingando o ciclocomputador ou pensando que de carro seria mais fácil. Eu simplesmente aceito que a distância não muda, encontro meu ritmo e uso cada quilômetro para ficar ainda mais forte (e gostosa).

Dez meses

Ouvi de um palmeirense nesta semana: “agora, só falo de futebol quando nosso estádio ficar pronto”. Ou seja, no final deste ano (se a previsão se confirmar verdadeira), ou seja, quando o Palmeiras voltar para a primeira divisão do Brasileiro (se a previsão se confirmar verdadeira).

Pois é isso: aceitar que estes dez meses que se seguirão até o Palestra ter a chance de ascender novamente para a primeira classe do futebol nacional não passarão mais rápido só porque seus 15 milhões de torcedores estão indignados e cansados do percurso – e das piadas. Aceitar que, em 2012, time e diretoria foram dignos de série B. Ponto. Só conscientes disso é que, em 2013, poderão aproveitar cada Bragantino, Oeste e ASA para ficarem (voltarem) ainda mais fortes.

(gostosos só mesmo com intervenção divina + retorno de Diego Cavalieri)

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Maior que isso tudo

Poucas coisas nesse mundo são tão perigosas quanto uma pessoa insegura. O cara mais gente boa do escritório decide que não tem mais tempo para ajudar os outros, o irmão legal vira expert em apontar os defeitos da “filha prodígio” e a amiga querida, de repente, precisa da atenção do namorado da colega para se sentir menos gorda.

Tentar entender não ameniza a mágoa, mas ajuda. Pensar que, motivada pelo instinto de sobrevivência, a pessoa cria uma justificativa totalmente razoável – na cabeça dela – para fazer o que fez facilita o processo de digestão. Ela não agiu assim porque é do mal; ela fez porque precisava fazer, precisava se sentir menos desconfortável em sua própria (e não raro imaginária) inferioridade.

O inseguro, ao mesmo tempo em que se percebe defasado em habilidades que julga importantes, quando as reconhece no outro, passa a identificá-lo como ameaça. E então reage. Transpira desdém sobre tudo aquilo que, no fundo, gostaria de possuir ou, na outra ponta, passa a injetar em si próprio, pelo menos no discurso, os tão sonhados adjetivos.

O pior tipo de insegurança, no entanto, não é a que vem do outro, é a nossa. Porque o outro, cedo ou tarde, será reconhecido como o coitado que falhou em disfarçar sua própria mediocridade. Ou então, melhor ainda, vira o cara que nos deixou mais fortes e seguros! Agora, quando a insegurança vem da gente, nos impulsionando não a reagir, mas a permanecer imóveis, aí temos um problema. Fracos, indignos, nem de longe bons o bastante: essa é a insegurança que todos os outros inseguros, agora vitoriosos, conseguiram nos fazer ver como real. E aí?

Aí você entra em campo mesmo assim, olha o adversário nos olhos, acena para a torcida e lembra que é, que sempre foi, maior que isso tudo.

É preciso paixão

Como escreveu Vinicius de Moraes, “quem já passou por essa vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu. Porque a vida só se dá para quem se deu. Para quem amou, para quem chorou, para quem sofreu.” Sim, é preciso paixão. Mas dá um medo, né?

Assusta porque, apaixonado, você perde a razão. Aposta em resultados improváveis, defende certezas incertas, troca a lógica pela emoção. Sofre, se entrega, ganha uma insegurança que nunca foi sua. Fica um pouco ridículo. Por outro lado, com paixão, você torce, vibra, sente mais. Os apaixonados têm um brilho nos olhos que nos inspira! É como se aquela paixão lhes bastasse e, por isso, parecem mais felizes, serenos.

Não sei se sou mais ou sei mais do que Vinicius, mas, ano passado, fui ridiculamente apaixonada. Sim, tive meu coração partido. Mas a verdade é que faria tudo de novo. Aliás, eu farei tudo de novo. Se, como diria outro poeta, “todas as cartas de amor são ridículas”, a minha já está sendo escrita há algumas rodadas. Bora perder a razão – e o medo de zicar o time – e começar a acreditar que neste ano vai?

Quem?

Vinicius de Moraes morreu em julho de 1980. Mais de trinta anos depois, este carioca, botafoguense ainda me inspira. Para quem não sabe, foi ele quem disse que “a gente não faz amigos. Reconhece-os.” Ah, e o autor de “todas as cartas de amor são ridículas (mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas)” foi o português Fernando Pessoa (1888-1935).

Mau perdedor?

Tem quem tire sarro do lema “Corinthians não vive de título, vive de Corinthians”, defendendo que isso é papo de mau perdedor. Se fosse isso, a nação corintiana, hoje, estaria morta. E não está. Os 30 milhões de torcedores desse time que virou república acordaram normalmente na segunda-feira pós final do Brasileirão. Tomaram café, escovaram os dentes, foram trabalhar. Sim, sem o título e com um gosto azedo na paladar – mas vivos. Porque corintiano não precisa ver o time ganhando para gritar “timão”, não precisa estar na série A para lotar estádio, não precisa de taças para se sentir o maior. Mais do que isso, “Corinthians vive de Corinthians” deixa claro que a massa alvinegra ainda torce, chora e vibra por seu time – e não contra os outros. Coisa cada vez mais rara no futebol, o Corinthians ainda basta para fazer pulsar o coração de quem é louco por ele.

Dizer que não se vive de títulos não é negar a alegria de conquistá-los. Lógico que os corintianos queriam o penta no domingo (ou algum terá a cara de pau de dizer que não?)! A questão aqui é: o quanto significa perder para aqueles que já consideram a vida uma vitória?

Incentivo

Logo após o empate com o Goiás, que levou o Corinthians à terceira posição no Brasileirão (Cruzeiro venceu o Palmeiras, em Minas, por 2 x 1, ficando com o segundo lugar) e, consequentemente, à ter que disputar a pré-libertadores, o time lançou uma nova camiseta, com os dizeres: “Muitos vivem de títulos. Nós vivemos do Corinthians”.

…ou esperteza?

O ano do centenário foi um fiasco. Por pior que tenha sido o desempenho de Palmeiras e São Paulo neste Brasileirão, nada se compara à junção de todas as derrotas do Corinthians no ano que deveria ter sido o da conquista da Libertadores! Com razão, o time virou o principal alvo de piadas no futebol paulista (nacional?). Assim, é muito inteligente da equipe de marketing do clube apelar para a paixão dos “loucos por ti Corinthians” para desviar atenção de toda a grana investida em uma campanha – a do centenário – que se provou falida. Afinal, quem torce para time que não vive de títulos não se dá o trabalho de cobrar equipe e dirigentes por vitórias, né?

Chega de sofrimento

No dia seguinte à festa do centenário corintiano, em setembro, um colega que muito admiro comparou o torcedor alvinegro com um religioso: pois tanto um fiel quanto o outro parece interpretar a desgraça como um sinal divino de que é preciso aumentar a adoração, revigorar e fé e continuar acreditando em uma virada. “Os cem anos do Corinthians se passaram sob o signo do sofrimento. Quanto mais dor, mais amor!” escreveu Valdomiro Neto em sua coluna no Diário LANCE! do dia 1 de setembro.

Quer saber de uma coisa? Estou um pouco cansada dessa carapuça de sofredor tão pateticamente enaltecida pelos corintianos. Mais dor, mais amor o caramba! O futebol, como a vida, já é uma experiência carregada de emoções fortes, com lances inesperados e desfechos surpreendentes. Não há quem ganhe tudo e nem quem perca sempre. E isto basta para tornar o jogo interessante. Mais sofrimento para quê?

Vai entender…

Em novembro, na “final antecipada” entre os dois primeiros da tabela do Brasileirão (na época), o Corinthians venceu o Fluminense por 2 x 1, no Engenhão, e só não virou líder por causa do saldo de gols entre os dois times. No último domingo (10), Fluminense e Cruzeiro, os dois primeiros da tabela hoje, disputaram outra “final antecipada” (o clube mineiro levou a melhor). E o Corinthians? Pois é… deve estar testando o amor e a devoção de seus fiéis.

Não vai dar uma de Silas!

Tem uma expressão em inglês que eu adoro: “There’s no I in team.” A letra “i”, no idioma, significa “eu”. Assim, a frase brinca com esse duplo sentido para dizer que, da mesma forma que não há a letra “i” na palavra “team” (time, em inglês), também não existe “eu”, ou seja: em uma equipe, não há espaço para individualismo – a não ser, claro, aquele que funciona a favor do grupo.
Da mesma forma que vitórias devem ser compartilhadas, a culpa pela derrota jamais pode cair sobre os ombros de uma só pessoa. O cara fez o gol do título? Sim, o craque merece os louros. Mas nunca todos os créditos. Afinal, ele só marcou porque o técnico o escalou e seus companheiros lhe deram cobertura. O time está em uma má fase? Não crucifique o zagueiro que fez gol contra!
Achar um culpado acalma a alma e, melhor, tira o peso de ter que pensar sobre a sua parcela de responsabilidade na “crise”. Atitude covarde? Muito. Rara? Longe disso. Arrisco dizer que todo mundo, pelo menos uma vez na vida, já “deu uma de Silas” para tirar o seu da reta. Em casa, no trabalho, no relacionamento… Então, sugiro: vamos nos policiar?

Coisa feia

Confrontado sobre a má fase do Flamengo no Brasileirão (ocupa o 15o lugar na tabela), o técnico Silas respondeu: “não faço gol contra”, em uma clara referência ao erro do zagueiro Jean no jogo contra o Goiás, na última terça, no qual o clube carioca só conseguiu empatar no final.

O dia em que sequei o Corinthians

“Tão bom que nem parece verdade.” Quem nunca ouviu essa expressão? Ela costuma permear relatos sobre o início de um relacionamento, uma função desejada no trabalho, a viagem dos sonhos… e também a boa fase do seu time no campeonato. Em especial se o seu time não é exatamente um São Paulo (bom, o que o São Paulo costumava ser, pelo menos).
Mas, assim como dá um medo sair por aí falando das coisas boas que acontecem na nossa vida, como se dizê-las em voz alta fosse boicotar a própria felicidade (sim, essas besteiras que para nós não são besteiras!), dá um frio na barriga proferir, em qualquer conversa boba, que “meu time vai ser campeão este ano”. Não somente porque muita coisa pode acontecer nessas 13 rodadas e seria, mesmo, muita pretensão afirmar tal maluquice, mas também porque… ai, ficar tanto tempo jogando bem, com um elenco arrumado e de fato vencendo… parece mesmo bom demais para ser verdade.

O pouco vira muito

Engraçado como os principais times de São Paulo, neste Brasileirão, estão tão mal que qualquer vitória já é vista como espécie de “sinal divino” de que “as coisas vão melhorar”. Pensando por este lado, um clube que, desde o começo do campeonato, só ocupou as duas primeiras posições na tabela, está em excelente fase! Excelente ano! Quer dizer… esquece isso. Melhor não ficar falando…

(este texto foi publicado no Jornal MAIS, no domingo, 26, dia em que o Corinthians jogou contra o Inter e perdeu não só a partida, por 3 x 2, como também a primeira posição na tabela do Brasileirão, já que o Fluminense ganhou do Vitória, em Salvador, por 2 x 1)

Pois é. Eu ziquei o meu time.