Espaços vazios

Eu não deveria escrever esse texto hoje. Não hoje, dia do primeiro jogo da final mais importante da história do Corinthians. É um timing errado e insensível, eu sei. Mas… bora lá.

Este texto é sobre fanatismo. Melhor, sobre como preenchemos espaços vazios.

Por Deus ou, sei lá, por bicicletas, a gente parece ter uma mania de absorver certas paixões como se, sem elas, existir não fizesse mais sentido. Só que faz e fará. Porque amores são parte da vida e não ela em si. Claro, virá Vinicius de Moraes dizendo que “a vida só se dá pra quem se deu. Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu”. Mas é um conjunto de experiências, né, gente? Nesta mistura, fanatismos só fazem sentido se for para preencher espaços vazios. Mais ainda, ocupar o vácuo entre o querer ser e o ser realmente.

O encantamento e dedicação que termina por te transformar na própria coisa que você ama, aos olhos dos outros vira uma única cor. E há um lado lindo nisso: passando de simples colega de trabalho a “fera em xadrez”, de gordinho da turma a “especialista em vinhos”, de estagiária novata a “mina que manja tudo de futebol”, você se torna especial. Mais do que isso, sua paixão te dá uma identidade, te destaca na multidão. Você é ao mesmo tempo único e parte de um todo. É essa sensação que vicia.

O problema é que ela também exclui. Ela e a vaidade que engendra. Afinal, conversar com alguém que o admira por este seu traço tão marcante é bem mais legal do que trocar ideias com quem mal sabe do que você está falando. Natural se aproximar das pessoas com quem temos mais afinidades. Não natural é se fechar em um universo particular por comodismo e insegurança, respondendo, muitas vezes, de forma violenta e preconceituosa a quem ousa questionar o que já se tornou como o ar que você respira. Sem falar que, por mais linda que seja uma paixão em momentos de declarações e êxtase, no dia a dia, ver alguém se resumir a tão pouco – e excluir por igual pequeneza – é simplesmente triste.

Amor não tem quantidade limite para uso. Aliás, eu ousaria dizer que ele exige ser distribuído. E que quando não o é, quando se percebe focado em uma só direção, ele se rebela contra tudo mais que poderia amar, se transformando em indiferença, impaciência e, por fim, ódio.

Só os não fanáticos amam

Eu estarei em Buenos Aires no último jogo da final da Libertadores. E, se o Boca Juniors ganhar, vou me juntar a massa, de bar em bar, só pela experiência de comemorar com uma torcida mundialmente conhecida por seu (veja a ironia) fanatismo. E quem ousará questionar o meu amor? Só, talvez, aqueles que preencheram seu espaço vazio com coisa de menos…

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Mau perdedor?

Tem quem tire sarro do lema “Corinthians não vive de título, vive de Corinthians”, defendendo que isso é papo de mau perdedor. Se fosse isso, a nação corintiana, hoje, estaria morta. E não está. Os 30 milhões de torcedores desse time que virou república acordaram normalmente na segunda-feira pós final do Brasileirão. Tomaram café, escovaram os dentes, foram trabalhar. Sim, sem o título e com um gosto azedo na paladar – mas vivos. Porque corintiano não precisa ver o time ganhando para gritar “timão”, não precisa estar na série A para lotar estádio, não precisa de taças para se sentir o maior. Mais do que isso, “Corinthians vive de Corinthians” deixa claro que a massa alvinegra ainda torce, chora e vibra por seu time – e não contra os outros. Coisa cada vez mais rara no futebol, o Corinthians ainda basta para fazer pulsar o coração de quem é louco por ele.

Dizer que não se vive de títulos não é negar a alegria de conquistá-los. Lógico que os corintianos queriam o penta no domingo (ou algum terá a cara de pau de dizer que não?)! A questão aqui é: o quanto significa perder para aqueles que já consideram a vida uma vitória?

Incentivo

Logo após o empate com o Goiás, que levou o Corinthians à terceira posição no Brasileirão (Cruzeiro venceu o Palmeiras, em Minas, por 2 x 1, ficando com o segundo lugar) e, consequentemente, à ter que disputar a pré-libertadores, o time lançou uma nova camiseta, com os dizeres: “Muitos vivem de títulos. Nós vivemos do Corinthians”.

…ou esperteza?

O ano do centenário foi um fiasco. Por pior que tenha sido o desempenho de Palmeiras e São Paulo neste Brasileirão, nada se compara à junção de todas as derrotas do Corinthians no ano que deveria ter sido o da conquista da Libertadores! Com razão, o time virou o principal alvo de piadas no futebol paulista (nacional?). Assim, é muito inteligente da equipe de marketing do clube apelar para a paixão dos “loucos por ti Corinthians” para desviar atenção de toda a grana investida em uma campanha – a do centenário – que se provou falida. Afinal, quem torce para time que não vive de títulos não se dá o trabalho de cobrar equipe e dirigentes por vitórias, né?

Dificuldade x oportunidade

A cada dia concordo mais com Winston Churchill: “um pessimista vê uma dificuldade em cada oportunidade, enquanto um otimista vê uma oportunidade em cada dificuldade”. Aposto que, como eu, o escritor e primeiro ministro inglês, morto em 1965, também odiava ouvir “ai, acho meio difícil.” Caramba, primeiro tente. Depois, quem sabe, permita-se considerar a possibilidade de que possa ser “meio difícil”.
Quando confrontadas com um desafio ou uma tarefa diferente daquelas já habituais, algumas pessoas, invadidas por uma combinação de preguiça, medo e burrice, armam-se de desculpas para fugir do que consideram uma dificuldade. Essas são as que dizem coisas como “acho que não dá” e “só estou sendo realista”. Por sorte (da humanidade), também existem as que, frente o desconhecido, reagem com brilho nos olhos! Certas de que a dificuldade valoriza a conquista, agarram oportunidades com a confiança de quem nasceu para ser titular. Sabe o que estas pessoas dizem? Nada. Elas jogam.

Reservas em campo

Domingo (14), queria ver como se comportariam os reservas do Palmeiras contra o Atlético-GO, em Goiânia. Na vitória por 1 a 0 contra o Guarani, no domingo anterior (7), alguns mostraram garra de titular. E, na partida entre São Paulo e Vasco, em São Januário, minha expectativa estava no jovem Zé Vitor. Com a saída de Rodrigo “incômodo nas costas” Souto, o menino de 19 anos teria sua primeira grande oportunidade no time de Carpegiani. Bom, o Palmeiras perdeu de 3 x 0 e o São Paulo ficou no 1 x 1, resultado que praticamente elimina as chances do Tricolor conseguir vaga na Libertadores…

Que venham as mudanças!

Vez ou outra, a vida nos confontra com o fato de que nem sempre as coisas acontecem como gostaríamos. Não importa o quanto a gente planeje, deseje e se empenhe para que algo se realize, às vezes o projeto jamais sai do papel. Por mais certeza que tenha de que sua escolha é a certa, por mais que dê tudo de si para que ela se concretize, vez ou outra, bom… seu mundo vai cair. Seu grande amor não voltará, você não ganhará uma promoção, seu time será eliminado da Libertadores. Pois é, o São Paulo não se classificou, o velocista jamaicaino Usain Bolt perdeu sua invencibilidade de dois anos e 14 vitórias seguidas nos 100 metros para o americano Tyson Gay e Kaká foi operado, provando que de fato não estava apto para atuar na Copa do Mundo. Todos exemplos de vontade e talento que, por diferentes motivos, não resultaram em vitória. Mas resultaram, por outro lado, em mudanças. E mudanças, sejam elas estruturais ou comportamentais, são sempre bem-vindas. São elas que nos obrigam a reavaliar certezas, redirecionar o foco e, enfim, evoluir.

Sucesso

Eu só queria deixar registrado o quanto fiquei triste que meu amigo Marcio, são-paulino, foi até o Morumbi, naquele frio, só para ver o Tricolor ser eliminado. Marcio, lembre-se: o sonho não acabou – eu guardei um pedaço do que você me deu no dia seguinte à eliminação do Corinthians, em maio, depois daquele jogo contra o Flamengo. Tá lembrado?

Coluna publicada no jornal MAIS em 8/08/2010