Eu, você e o Rei

‘Perfeito é Pelé, que não erra, que é imortal. Mas o Édson é uma pessoa normal, com um monte de defeitos’

Revistas femininas – e suas leitoras – adoram testes do tipo “saiba que imagem os outros têm de você.” Será que seus colegas e amigos te veem como alguém extrovertido e bom caráter? Ou como uma pessoa contida e misteriosa? Embora fazer o teste funcione mais como entretenimento do que propriamente material de pesquisa, imagino que todo mundo tenha essa curiosidade: que tipo de pessoa os outros acham que eu sou?

Não se trata de insegurança (pelo menos não como via de regra), mas de uma autoavaliação – que pode, ou não, resultar em uma concreta mudança de comportamento. Porque, por mais que tentemos nos armar de autoconfiança e ignorar o julgamento alheio, nosso referencial sempre foi e será… os outros. Assim, da mesma forma que entro em uma dieta porque a sociedade insiste que estou gorda, também decido que posso ser feliz assim – afinal, um monte de gente é feliz estando “acima do peso”. Qual das duas referências usarei? Isso cabe a mim escolher.

No final do dia, somos uma mistura da imagem e do real, do Pelé e do Edson, às vezes incríveis, às vezes comuns. Mas, sempre, se possível, autênticos, verdadeiros e amados.

Entende?

No último sábado (23), o maior jogador da história do futebol completou 70 anos. Muitos podem discordar de declarações e atitudes do mineiro Edson Arantes do Nascimento. Mas ninguém ousa negar a excelência e o carisma de Pelé, um gênio da bola que virou ídolo, um ídolo que virou mito.

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E eu preciso ver jogando?

Outro dia um amigo, italiano, insistiu que Maradona, “lógico”, é melhor do que Pelé. Eis o argumento do maledeto: “eu vi o Maradona jogar. Você gosta do Pelé porque cresceu ouvindo que ele é bom.” A discussão, claro, terminou em pizza (literalmente), mas me fez pensar. Poxa, não vi o Pelé jogar da mesma forma que jamais fui a um show de Frank Sinatra ou vi o lançamento de “Casablanca” nos cinemas. Mas, nem por isso, ouso ignorar ou comparar a importância desses ícones. Mais ainda, nem por isso tenho qualquer resistência em apreciá-los, seja pela inocência de sua arte ou pura magia mesmo. E pode ser que esta “aura” em torno do que Pelé foi em campo me impeça de misturar passado e presente sempre que algum “gênio” aparece por aí. Mas, enquanto futebol for paixão – e para mim é só o que é – eu prefiro apenas admirar os dribles dos outros, jamais comparando-os com os do Rei.

Ídolos do futuro?
Olha aí Zidane com Maradona e Pelé, em um anúncio da grife francesa Louis Vuitton. Pode ser que o careca da foto – e não os “velhinhos” lá atrás – seja o “melhor do mundo” para meus netos, que discutirão com os colegas, fãs de Messi, qual dos dois merece o título. Mas, quer saber? Meus olhos continuarão brilhando mais ao ver os dribles do Rei, mesmo com tudo que ele fez (e faz) depois de aposentado, mesmo em um vídeo antigo, em preto e branco.

Coluna publicada em 25/04/2010 no jornal MAIS