Eu conheci Pedrinho em 2007 na coluna “Aquecimento” da revista Placar. Já tinha ouvido alguns comentários sobre o atleta “bom pra caralho” que estava “sempre machucado”, mas foi só depois de ler o texto de Maurício Barros (que coloco na íntegra no final desse post) que “entendi” Pedrinho – e o que pode ser escrever sobre futebol.
Na época eu era estagiária de texto, descobrindo o mundo do jornalismo, certa de que um dia ganharia dinheiro fazendo o que gosto. Porque normalmente funciona assim, né? A gente entra na faculdade pensando em mudar o mundo, tenta aliar esse objetivo a uma função divertida e aí, já no mercado de trabalho, fechando seis páginas por semana sem faltar à academia – ou ao bar – descobre que, pô, leva jeito para a coisa. Só que daí 2007 vai embora, depois 2008, 2009… e, além de não ter conseguido conciliar a pressão por produtividade com excelência (e se sentir cada vez mais frustrada por isso), você também começa a pensar em comprar um apartamento, passa a priorizar conforto e não mais “breja barata” e percebe que há mais no planeta para ser visto do que os outlets de Miami.
E aí? Aí, quatro anos depois, você lê que o Pedrinho, agora com 34 anos, está de volta, depois de um tempo jogando só em campeonatos de showbol pelo Vasco (clube que o projetou), para encerrar a careira no Olaria, disputando o Estadual. Aí você lembra do blog que criou porque queria escrever sobre futebol mais ou menos como aquele cara da Placar escreveu o texto do Pedrinho. E aí você decide que, mesmo depois dos tombos, dificuldades e alguns anos a mais, ainda dá para tentar mudar o mundo. E ser “bom para caralho” nisso.
Placar, março de 2007
Xodó de todos nós
Ver de novo a arte de Pedrinho em campo é um misto de alegria, alívio, compaixão, angústia e torcida para que a próxima contusão nunca chegue
Ele pode ter se machucado enquanto esta Placar ainda era impressa na gráfica. Enquanto você ia à banca ou recebia a revista ao pé da porta de serviço. Ele pode ter se contundido nesta manhã, ou mesmo cair e berrar de dor no exato instante em que você chegar lá embaixo, na última linha.
Não seria estranho, pelo contrário. Porque Pedrinho já se machucou tantas vezes… Lesões de joelho, contusões musculares, depressão. Ele chegou até a pensar em se matar.
A carreira desse hábil, cerebral e frágil (1,68 metro, 62 quilos) meia canhoto tem o som dos soluços — dele próprio e de todos que gostam do futebol bem jogado. Pedrinho é um jogador raro, de toque refinado, dribes, belos gols. Ao longo dos anos, a admiração por ele transformou-se em lamento, fruto da sina de lesões que passou a atormentá-lo desde a primeira ruptura séria, em 1998, no joelho direito. O trauma o impediu de atender à convocação do técnico Vanderlei Luxemburgo para a seleção brasileira que disputaria o Pré-olímpico e a Olimpíada de Sydney.
Agora, aos 29 anos, ninguém mais esperava que Pedrinho pudesse brilhar. Seria pedir demais acreditar de novo nele, que vinha de um retorno ruim ao futebol carioca. Pedrinho saiu do Palmeiras para o Fluminense em mais um de seus recomeços. Nas Laranjeiras, no ano passado, passou quase despercebido. A magreza extrema, as olheiras, a palidez… Alguém ainda apostaria nele? Sim, de novo Luxemburgo.
Pedrinho foi se tratar de um problema no quadril no Santos. Na Baixada, reencontrou o treinador que o convocara nove anos atrás. Luxemburgo insistiu pela sua contratação. Para o técnico, o meia jamais tivera o tratamento e a preparação física que agora recebia no Santos. E isso o colocaria em condições físicas que nunca teve. “Pedrinho não é doente, as pessoas têm de tratá-lo como atleta”, disse. Já no segundo jogo com a camisa do Santos, o clássico contra o Palmeiras, o meia jogou bem, fez um gol, se destacou.
As declarações de Pedrinho transparecem sonhos modestos. Nada de seleção, nem de exterior. Pedrinho só quer poder passar esses quatro, cinco anos que restam de carreira pisando a grama, e não o chão frio das salas de fisioterapia. “O importante é que estou com saúde. Não sou de fazer planos, estou vibrando a cada treinamento.”
Para não desistir, Pedrinho sempre pôde contar com o carinho dos torcedores — carinho este encorpado por boa dose de compaixão. Ele tem o dom de virar imediatamente xodó da torcida, e o que aconteceu no Vasco, no Palmeiras e no Fluminense se repete agora no Santos. Também são-paulinos, flamenguistas, corintianos e tantos mais torcem por ele como se torce para o mais fraco, para o mocinho em permanente conflito com o destino.
É impossível olhar para Pedrinho e não suspirar: “Ah, se ele não tivesse se machucado tanto…” Tê-lo no departamento médico é um desperdício. Vê-lo jogar é um alívio. E uma angústia. Tomara que nada de ruim tenha acontecido a ele nesses minutos que se passaram. E nem aconteça daqui para a frente, depois deste ponto final.
Maurício Barros